“Sabe o que é ter sorte na vida?
É agradecer até não mais se aguentar
É ter felicidade cumprida
Que não cansa de aumentar
Pensa em uma montanha bonita
Cravada nas serras gerais
Num coração, aguarda visita
Com águas formosas demais
Quem conhece adora
O grande silêncio do lugar
Naquela cachoeira o sagrado mora
E boca não tem o que falar”
Esses versos foram escritos por duas crianças, moradores da cidade de Conceição do Mato Dentro, sobre a Cachoeira do Tabuleiro: Lucas e Thiago. Eu tentaria explicar essa grandiosidade com alguns números: Foram dois dias de caminhada. Cerca de 36 km. 16 porteiras. 2 rios atravessados.
Mas, ainda assim, não há algarismos que possam mensurar o que vi e vivi em um final de semana fazendo a travessia de Lapinha até Tabuleiro, em Minas Gerais.
Não sou capaz, muito menos, de descrever a emoção que senti em realizar mais este sonho, de ver de perto a maior cachoeira de Minas, de coração aberto pra quem passa pela Serra do Espinhaço…
No começo, pensei em desistir por medo: achei que não fosse dar conta, que seria pesado demais… mas aí me dei de cara com uma frase, que dizia: “Permita-se abrir caminhos para os sonhos!”
Aí eu fui! Deu certo.
Qual o trajeto da Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Como o próprio nome diz, a travessia começa, de costume, pelo vilarejo de Lapinha da Serra, que pertence ao município de Santana do Riacho. O destino é o distrito de Tabuleiro, já na cidade vizinha de Conceição do Mato Dentro. Há quem faça o trajeto no sentido oposto também, mas, visualmente falando, o sentido Lapinha x Tabuleiro é mais interessante.
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O trajeto pode ser feito em dois ou três dias, sendo que, quem opta por fazer o trajeto em três dias inclui uma visita ao Pico do Breu. Quem faz a travessia em dois dias caminha cerca de 18 km por dia.
No primeiro dia, o caminho começa vencendo a subida do Pico da Lapinha (o que leva cerca de 40 minutos até uma hora de caminhada).
Ainda no topo da montanha, dá para avistar uma capela de pedra dedicada à Nossa Senhora Aparecida e, um pouco mais adiante, um Cruzeiro, que até hoje recebe peregrinações dos moradores da região.
Após essa primeira etapa, começa a descida por um campo muito semelhante à vegetação dos pampas. Ali, nesta região, existe uma prainha do Rio Cipó, onde é possível fazer uma parada para abastecer as garrafas de água, fazer um lanche e se refrescar nas águas do rio.
Já no segundo dia (para quem faz a travessia em dois dias), a caminhada segue até a parte alta da cachoeira, onde é possível tomar banho. A trajeto até a parte alta da Cachoeira do Tabuleiro é o trecho mais exigente de toda a trilha.
Por isso, alguns grupos costumam esconder as mochilas aos pés das árvores, para diminuir o peso nas costas, e levam somente o necessário até o ponto de parada.
Como o retorno até a bifurcação da trilha, que leva até a parte baixa da Cachoeira do Tabuleiro, é feito pelo mesmo caminho, as mochilas são resgatadas na volta do banho de cachoeira.
Ao longo de todo o caminho, as flores sempre-vivas do Cerrado, vão margeando a trilha e dando toques dourados na trilha.
Durante a descida para a parte baixa da cachoeira, onde fica a portaria do Parque Natural Municipal de Tabuleiro, existe um mirante.
O ideal é deixar a parte alta da cachoeira, no máximo, até às 14h, pra chegar ao mirante no horário do pôr do sol e, de lá, contemplar o formato de coração das rochas que formam a Cachoeira do Tabuleiro.
Após o mirante, a descida até a entrada do Parque de Tabuleiro está há apenas alguns metros de distância.
Quantos dias duram a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
A travessia pode ser feita em dois ou três dias.
A diferença para quem opta pelo trajeto de três dias é a visitação ao Pico do Breu, um dos pontos mais altos da Cordilheira do Espinhaço, com 1,7 mil metros de altitude, e que oferece uma vista privilegiada da região.
O que levar na mochila para fazer a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Somente o necessário! Antes da lista de “o que levar” é importante ter em mente que, tudo o que for na mochila, você terá que carregar por dois (ou três) dias. Por isso, esse não é o tipo de viagem para fazer um desfile de moda e levar incontáveis looks!
Aconselho levar:
- uma calça;
- duas blusas de manga comprida com proteção solar;
- casaco de frio;
- dois pares de meia;
- bota de trilha ou tênis (de preferência, de cano alto);
- uma roupa de banho;
- boné ou chapéu;
- óculos de sol;
- kit primeiros socorros e/ou remédios de uso pessoal;
- toalha;
- protetor solar e repelente;
- comida e bebida.
Sobre os lanches, o ideal é levar uma média de dois a três lanches por dia de caminhada. Importante dizer que eles devem ser bem reforçados (com queijos, frango desfiado, ovos, ou outra fonte de proteína), já que não há parada para almoço ao longo dos dias de caminhada e, durante o caminho, não há nenhum tipo de comércio que venda alimentos.
Incluo na lista de comidas também frutas, barrinhas de cereais e castanhas. Quanto às bebidas, um litro de água é suficiente pois, ao longo do caminho, há nascentes onde pode se reabastecer as garrafinhas.
Aconselho que você vá para Lapinha da Serra com a sua lancheira pronta: lá existem apenas duas padarias, com pouca variedade de alimentos.
Lembre-se sempre de recolher todos os lixos que você possa gerar ao longo da caminhada!
Onde se dorme durante a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Ao longo da travessia Lapinha x Tabuleiro existem quatro pontos de apoio reconhecidos que oferecem o pernoite aos trilheiros: o ponto de apoio da Dona Ana Benta, do seu Chico Lages, Chico Niquinho e do Zé D´Olinta. As hospedagens possuem uma estrutura simples, mas a experiência costuma ser muito rica!
O banho pode ser de chuveiro elétrico, ou então de serpentina. A comida é preparada no fogão à lenha e costuma ser farta e saborosa. No valor pago pelo pernoite está incluso o jantar e o café da manhã no dia seguinte.
Alguns pousos oferecem camas em quartos compartilhados e também opções para dormir em barraca. É preciso combinar com o caseiro se eles disponibilizam as barracas, ou se é preciso levar o próprio equipamento de acampar – nesse caso, talvez essa opção não seja muito vantajosa por conta do peso do equipamento que seria necessário carregar.
Independente da opção de dormir em quarto compartilhado ou barraca, a alimentação inclusa é a mesma!
Qual a melhor época pra ir fazer a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
O ideal é fazer a caminhada nos meses de seca, que vão desde abril até outubro, quando não chove no norte de Minas e as chances de tromba d´água na Cachoeira do Tabuleiro são mínimas.
Nesta época costuma fazer calor ao longo do dia e esfriar um pouco a noite, por isso, considere levar um casaco na mochila também.
A estiagem pode influenciar no volume de água da Cachoeira do Tabuleiro.
É obrigatório ir com guia pra Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Não há a exigência de fazer a travessia acompanhado com um guia de turismo. Porém, tratando-se de uma caminhada longa, o ideal é ir acompanhado de um profissional que conheça a região e esteja preparado para lidar com as adversidades do caminho.
Além disso, estar ao lado de quem vive na Serra do Espinhaço é uma ótima oportunidade para conhecer mais sobre os costumes, tradições e também a biodiversidade da região!
Quais as opções de logística pra fazer a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Muitas empresas de ecoturismo de Belo Horizonte e outras cidades mineiras oferecem a excursão para a travessia. O pacote costuma oferecer o transfer até Lapinha da Serra, guia de turismo, hospedagem e transfer de retorno a partir de Tabuleiro. Os valores compensam, principalmente levando em conta a oferta dos transfers!
Porém, caso você não consiga se programar para as datas dessas excursões, existem guias de turismo nas cidades de Santana do Riacho e Conceição do Mato Dentro que organizam os próprios grupos, ou guiam grupos privativos.
Nesses casos é preciso atentar-se à logística dos deslocamentos: como chegar em Lapinha da Serra e como ir embora de Tabuleiro! (veja mais a seguir no tópico sobre como eu me organizei pra fazer a travessia)
No Portal de Turismo da cidade de Conceição do Mato Dentro há uma relação dos guias e condutores de turismo credenciados. Já no Portal da Lapinha da Serra existem dicas de onde ficar hospedado, onde comer e informações sobre os outros atrativos da região.
Como eu me organizei para a Travessia Lapinha x Tabuleiro?
Viajando sozinha e sem carro, peguei um ônibus em BH, logo pela manhã, até Santana do Riacho. De lá, consegui uma carona com os motoristas de ônibus escolar até o vilarejo de Lapinha da Serra no horário do almoço.
Eu me hospedei na vila por uma noite, para começar a travessia no dia seguinte, bem cedo acompanhada do guia Reginaldo.
À noite existem algumas opções de bares e restaurantes para comer em Lapinha. Lá também existe uma lojinha de artesanato para lembranças. A Camila, proprietária da loja, costuma receber muito bem seus clientes, com queijos, broas e cafezinho sempre fresquinho!
Importante dizer que levei todos os meus lanches comigo, desde BH, porque a estrutura de mercados e padarias em Lapinha é bem precária. Graças uma “doação” da Camila, da lojinha de artesanato, inclui frutas e um saboroso queijo na minha lancheira pra travessia.
No caminho, eu e o guia, nos juntamos a um grupo de Belo Horizonte que pernoitou no mesmo local que a gente e seguimos juntos no dia seguinte.
No término da travessia, também precisei pernoitar em Tabuleiro, já que no horário que finalizei a trilha, não havia ônibus para a cidade de Conceição do Mato Dentro. Existe apenas um horário de ônibus por dia que faz o trecho Tabuleiro x Conceição do Mato Dentro.
Por conta disso, é muito comum que os trilheiros e moradores peguem caronas na estrada até a cidade. Outras opções de locais para se conseguir uma carona são: o Restaurante Família e a escola do vilarejo.
Dica bônus!
Vá de coração aberto para encontrar boas pessoas pelo caminho, pessoas gentis que estão dispostas a te ajudar, seja com um lanche, ou uma carona, sem exigir nada em troca!
Vá de coração aberto para ter trocas valiosas e aprender com gente que sabe viver em meio à simplicidade dos vilarejos onde os sinais de internet ainda falham a chegar, mas esbanjam sabedoria e receptividade com quem vem de fora!
Vá de coração aberto para se conectar com a natureza e contemplar as belas paisagens que as montanhas de Minas Gerais guardam para nós!
1 Comment
Excelentes dicas! Muito encorajador ver as experiências de uma mulher viajando sozinha!