Diamantina é mais que a cidade que marca o início da Estrada Real. No Norte de Minas Gerais, a cidade foi berço do presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, é palco de grandes apresentações musicais e preserva sua história através dos casarões coloniais e do artesanato do Vale do Jequitinhonha.
A cidade também é cercada de natureza e reserva diversos roteiros de aventura, para quem gosta de caminhadas, pedais e cachoeiras.
Apesar de tantas opções de passeio por lá, reserve um ou dois dias para se perder pelos becos e ladeiras. O roteiro a seguir foi criado pensando na logística de quem fará tudo a pé:
Casa de Chica da Silva
“A negra. De escrava à amante. Mulher do fildago tratador João Fernandes”. O cantor e compositor Jorge Ben Jor tentou sintetizar um pouco sobre quem foi a mulher ousada, a frente de seu tempo, na música “Xica da Silva”.
Há muitas especulações sobre o comportamento e o posicionamento de Chica da Silva, mas alguns dos fatos inegáveis sobre ela foi que se tornou uma das mulheres mais ricas e poderosas do Brasil, depois de conquistar sua alforria na vida adulta e assumir um relacionamento com o contratador de diamantes, João Fernandes.
Ela e João Fernandes, homem rico e influente, tiveram 13 filhos.
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O casarão onde o casal morou ainda está de pé, bem próximo à Igreja do Carmo, e pode ser visitado. Mas, depois do falecimento de Chica da Silva, em 1796, os pertences dela foram se perdendo ao longo do tempo e, hoje, no casarão não há nenhum objeto que tenha pertencido a ela.
A história de Chica da Silva é envolta em uma série de mitos e preconceitos. Essas visões distorcidas são frutos do racismo da sociedade, que procurava (e ainda procura) desqualificar uma mulher negra que ascendeu socialmente e foi uma das mais ricas de sua época. Em algumas obras, Chica da Silva foi descrita como uma mulher feia e que utilizava do sexo como arma para conquistar aquilo que queria. Mas, ao longo dos anos, historiadores conseguiram reverter essa visão que havia sido amplamente divulgada.
No pavimento superior do sobrado está o acerto do Museu do Diamante, que está passando por reformas. É possível conferir as peças que eram utilizadas para medição no garimpo, uma coleção de diamantes com diferentes tipos de lapidação, as jóias que o museu ganhou de presente, além de objetos e cenas do garimpo.
Igreja do Carmo
A Igreja da Ordem do Carmo foi construída em frente ao casarão onde Chica da Silva morava, pelo seu companheiro João Fernandes. A construção é datada do final do século 18 e possui uma característica peculiar: a torre, com os sinos, fica nos fundos da igreja.
Sobre esse fato existem duas versões: a primeira seria que havia sido um pedido do casal que o campanário ficasse nos fundos, para que o barulho não incomodasse a rotina da casa de Chica da Silva e João Fernandes.
Há quem diga, porém, que a medida foi uma decisão de João Fernandes para burlar uma lei que proibia que escravos frequentassem igrejas que, mesmo alforriados, não podiam ultrapassar a torre da igreja.
Dessa maneira, João Fernandes não estaria desrespeitando o costume, já que a torre estaria aos fundos e Chica da Silva poderia frequentar a igreja normalmente.
Artesanato do Vale do Jequitinhonha
Diamantina é a porta de entrada para o Vale do Jequitinhonha, região conhecida por abrigar a maior concentração de comunidades quilombolas do Brasil, nas margens do Rio Jequitinhonha. Estando em Diamantina, é possível conferir, de perto, um pouco do artesanato desenvolvido na região.
Uma das técnicas desenvolvidas é o tapete de arraiolo. De origem portuguesa, o processo de confecção das peças com lã sobre uma tela de juta ou algodão, foi apresentada às mulheres do Vale do Jequitinhonha como uma forma para ampliar a geração de rendas. O projeto deu tão certo que hoje se tornou um dos símbolos da região.
Outra técnica desenvolvida por lá são as peças de barro, pintadas com as próprias colorações naturais do barro. Vasos, pratos, enfeites, filtros de água e moringa, são delicadamente pintados com tintas naturais fabricadas durante o processo de extração e queima do barro.
O artesanato em barro do Vale do Jequitinhonha foi declarado Patrimônio Cultural do Estado de Minas Gerais, em 2018, e é passado de geração em geração pelas famílias de artesãos.
Passadiço da Glória
Pelas ladeiras de Diamantina, uma construção azul que cruza de um lado a outro a Rua da Glória virou um dos cartões postais da cidade. O Passadiço da Glória foi contruído em 1870 e liga dois prédios. Acredita-se que o passadiço tenha sido erguido para ligar as duas casas que funcionavam como educandário e orfanato.
As “lendas urbanas” ainda aumentam essa teoria dizendo que a construção foi necessária para que as meninas e jovens solteiras pudessem transitar, de um prédio pro outro, longe dos olhares dos rapazes da cidade.
Desde 1979, o conjunto pertence a Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje além da história e do passadiço, o local oferece atrações e acervos para visitação.
Casa de Juscelino Kubitschek
O presidente do Brasil, responsável pela construção de Brasília e do famoso projeto “50 anos em 5” é nascido em Diamantina. Para preservar a história do seu filho célebre, desde 1985, o espaço onde o então menino JK passou boa parte da sua infância pode ser visitado.
A infância foi simples, numa casa construída de pau a pique. Em cada cômodo, recortes de jornais, objetos pessoais e paineis informativos ajudam a contar a história do ex-presidente.
A primeira sala, por exemplo, é dedicada à infância e vida escolar de JK. No quarto ainda está a cama original e a mesinha de estudos com alguns livros de Juscelino, que também foi médico e atuou na Revolução Constitucionalista de 1932.
Na cozinha, uma réplica do fogão de lenha e utensílios expostos ajudam a ambientar o espaço e o destaque fica pra receita de frango com quiabo, prato preferido de JK, descrita em uma das paredes.
A entrada custa R$ 20 e os estudantes pagam meia. A Casa de Juscelino fica na Rua São Francisco, 241 e abre de terça a domingo, das 9h às 17h. O local fecha pro almoço, das 12h às 14h e, aos domingos, a visitação se encerra mais cedo: às 12h.
O prédio onde JK nasceu, porém, é outro: fica localizado na Rua Direita, número 106. Em meio aos comércios instalados na rua, há uma placa na parede fazendo menção ao local de nascimento de Juscelino.
A Casa do Queijo
Um bom lugar para comprar queijos, doces, licores, requeijão e cachaças artesanais de Minas é na Casa do Queijo. Lá também é possível encontrar os famosos “Queijos da Canastra” e “Queijos de Serro”, com preços menores do que os praticados no centro de Diamantina.
A Casa do Queijo fica na Rua das Monteiras, 229.
Seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus
Era julho de 1971 e, por coincidência ou acaso do destino, o presidente JK voltava para a sua cidade natal para uma reportagem com a revista “Manchete”, durante os dias que os meninos do Clube da Esquina visitavam Diamantina para uma reportagem para a revista “O Cruzeiro”.
A inteção da equipe da revista “O Cruzeiro” era retratar os jovens Lô Borges, Fernando Brant, JK, Márcio Borges e Milton Nascimento. O fotógrafo que acompanhava os meninos, Juvenal Pereira, se aproximou da equipe da “Manchete”, que registrava a visita de JK, e perguntou se eles “não poderiam emprestar o presidente um pouquinho”.
Com a liberação da equipe e o aval de JK, Juscelino e os integrantes do Clube da Esquina percorreram alguns pontos da cidade, como a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a praça do Mercado Velho. Mas foi em frente ao Seminário do Sagrado Coração que eles sentaram em um dos degraus do prédio pra conversar e o presidente cantou “Travessia” e “Peixe Vivo”.
Nessa altura do passeio, Milton Nascimento já tinha conseguido um violão emprestado e o encontro foi registrado pelas lentes do fotógrafo. O fato curioso é que a cena do encontro não entrou pra nenhuma das duas reportagens que estavam sendo produzidas pelas revistas.
Os clicks ficaram famosos ao serem divulgado no livro “Os Sonhos não Envelhecem”, de Marcio Borges, lançado em 1996.
Beco do Mota
Outra música apresentada pelo Clube da Esquina ao presidente JK foi “Beco do Mota“.
Em uma entrevista ao jornal “O Tempo”, para recordar os 50 anos deste encontro, Márcio Borges revelou que o presidente ficou envergonhado com a letra da música porque “Ele sabia que era a zona da cidade. JK ficava rindo e falando com a gente”, relembrou o compositor.
Igreja do Rosário
Assim como em outras cidades históricas do Brasil, marcadas pela escravidão, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Diamantina era onde os homens negros podiam ter seus momentos de oração e cultuar seus deuses e orixás, através das imagens de santos católicos.
Em Diamantina, os negros construíram a própria igreja, já que haviam sido proibidos de professarem sua fé nas ruas da cidade. Mas, pra isso, precisavam trabalhar ao longo do dia e só restava o período da noite para erguer o templo. Por conta disso (pela falta de iluminação natural do dia e do cansaço de trabalhar de dia e a noite) acredita-se que esses sejam os motivos pra que a igreja tenha as paredes tortas!
Nos altares laterais estão imagens apenas de santos negros: Santa Ifigênia, Nossa Senhora da Cabeça, São Joaquim, Santo Antônio de Categeró, Santa Luzia e São Benedito. Além disso, a imagem de Santo Elesbão, que está no altar principal, foi uma encomenda da Ordem do Carmo, para o acervo da Igreja do Carmo. Porém, quando a imagem chegou, retratando o santo com a cor da pele negra, foi recusada pelos carmelitas.
A imagem foi abandonada em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e permanece por lá até hoje. Apenas em 2023 houve uma procissão para conduzir a imagem de Santo Elesbão até a Igreja do Carmo, como um pedido de “desculpas” pelo ato racista. Após a celebração, a imagem retornou pra Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Mercado Velho
O antigo Mercado dos Tropeiros foi construído no século 19 e era o local onde os tropeiros que cruzavam a região paravam para a compra, venda e troca de mercadorias. A estrutura de madeira, colorida com tinta azul, permanece a mesma.
Aos sábados pela manhã, o local recebe uma feira onde é possível encontrar artesanato e pratos típicos da região. Nos demais dias, o pavilhão central abriga algumas atividades, como aulas de dança, mas é mais difícil encontrar expositores por lá no horário comercial.
Dica Bônus: Vesperata
Declarado Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais, a temporada de concertos de Diamantina acontece entre os meses de abril e outubro e reúne centenas de pessoas para apreciar o espetáculo.
A vesperata é como se fosse uma serenata “ao contrário”: enquanto na serenata os músicos ficam na rua, cantando para o público da janela, na Vesperata os músicos ocupam as janelas e sacadas dos sobrados históricos de Diamantina e apresentam um repértorio variado de música pro público que acompanha tudo lá de baixo, da Rua da Quitanda.
A apresentação inclui números de choro e apresentações da banda militar e da banda mirim de Diamantina. O maestro fica no meio do público, em um palco montado sobre o largo da Rua da Quitanda. O repertório passa por música clássica, temas de filmes, clássicos do rock e muita música brasileira, desde sertanejo raiz e Bossa Nova, até Raça Negra, Tim Maia e Sidnei Magal.
As datas das apresentações costumam deixar a cidade lotada de visitantes. Por isso é bom se programar com antecedência para reservar a hospedagem e também pensar onde irá assistir o espetáculo.
Os restaurantes da Rua da Quitanda fecham o largo para os seus clientes e cobram a reserva de mesas. O valor de uma mesa, com quatro lugares, custa na faixa de R$ 400 e a consumação é cobrada a parte.
Apesar das mesas pagas ocuparem quase toda a extensão da praça, muitos se acomodam nas entradas dos becos que desembocam na Rua da Quitanda para assistir o espetáculo de pé, sem pagar. O Beco da Tecla costuma ser a travessa mais concorrida, pois oferece uma visão mais ampla para a apresentação.
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